Data de 27 de novembro de 1993 o início de atividade de António Manuel Albino Godinho no seio da arbitragem da AF Setúbal. Hoje, aos 45 anos, a idade que o limita a seguir a carreira, garante que a arbitragem lhe trouxe felicidade, amigos e a descoberta de outros ‘mundos’.

 

Um abraço depois de ouvir o apito final marcou-o, assim como uma tentativa de promover a substituição de um jogador naquele que o seu primeiro jogo, já lá vão cerca de 27 anos.

 

Em quase um quarto de século ganhou nomeações com o estatuto de árbitro assistente de I Categoria e em sete temporadas, entre 2012 e 2019, o professor de Educação Física, licenciado em Ciências do Desporto, foi internacional ostentando as insígnias da FIFA.

 

A nomeação para a Final da Taça de Portugal do ano passado é momento alto.

 

Apenas tem a certeza de que atuou em mais de 200 jogos na categoria principal, “porque a partir dos 100 deixou de contar”.

 

No âmbito da arbitragem da AF Setúbal, António Godinho, pertencente ao Núcleo de Confraternização de Árbitros de Futebol do Barreiro, desempenhou funções na qualidade de responsável técnico pela preparação física dos árbitros nos Centros de Treino do Barreiro e de Setúbal.



António Godinho

 

 

afsetubal.pt - O que lhe veio à memória nos instantes seguintes ao apito final do último jogo em que atuou na condição de árbitro assistente?


António Godinho - O meu último jogo foi no domingo passado (26), em Portimão [n.d.r: 34.ª e última jornada da Liga NOS], onde tive a sorte de ser acompanhado por uma equipa de amigos, que passaram o fim de semana comigo sempre num ambiente muito positivo e descontraído.

Quando o apito final suou, o Hugo Miguel, que foi o árbitro principal do jogo, aproximou-se de mim e deu-me um abraço. Aquele abraço significou um sentimento de ponto final na carreira, mas nunca o fim das amizades que foram construídas ao longo de tantos anos.

Apenas agradeci a alguém que olha por nós lá em cima, o facto de nunca ter tido uma lesão grave ao longo destes 27 anos de arbitragem.

 

Como avalia a sua carreira ligada à arbitragem dentro dos campos de futebol, a qual se estendeu por mais de um quarto de século?

Foram quase 25 anos ao mais alto nível, conheci pessoas que hoje são os meus melhores amigos, conheci países que nunca pensei alguma vez lá ir. No final, acho que o balanço é positivo.

Tive o privilégio de pertencer a um grupo muito restrito, que é a arbitragem, e que acarreta consigo responsabilidades enormes, que penso ter conseguido corresponder. Portanto, saio satisfeito e feliz pelo percurso que consegui fazer. 


O que o levou a frequentar um curso de árbitro de futebol?

O primeiro objetivo, quando fui tirar o curso, era o de acrescentar valor ao meu currículo desportivo para poder concorrer à Faculdade, mas com os primeiros jogos senti que a função que estava a desempenhar se identificava com algo que me fazia sentir feliz. E, por isso, fui ficando, e quanto mais o tempo corria mais era difícil era para mim afastar a minha vida dos campos de futebol.

Fui ficando e a arbitragem acabou por ser o centro da minha vida, no último quarto de século.


António Godinho, na foto à esquerda, esteve mais de duas décadas no topo da arbitragem nacional na qualidade de árbitro assistente


Recorde-nos como foi o primeiro episódio da sua história de árbitro num jogo oficial?

Curiosamente, não me recordo da maioria dos jogos que fiz, mas o primeiro jogo, entre equipas de juvenis, no campeonato distrital, ficou-me marcado na memória.

Recordo que durante o jogo, o delegado de uma das equipas dirigiu-se a mim e informou-me que queria fazer uma substituição, assim que fosse possível. O “assim que fosse possível” significa logo que o jogo esteja parado, mas para mim foi nesse preciso momento, mesmo com o jogo a correr. Fiz a sinalética de substituição, e o árbitro quando me viu, apenas sorriu, enquanto que o delegado da equipa, que por sinal estava a atacar nesse momento, me dizia, em pânico: “Agora não, agora não…”

 

Em que momento assumiu seguir uma carreira na arbitragem e porquê?

Como entrei numa Faculdade de Desporto, e os jogos eram sempre ao fim de semana, consegui juntar o gosto pela modalidade e aquilo que o desporto significa para mim. Não existindo incompatibilidade de horários, e a felicidade que sentia em campo, decidi prolongar ao máximo possível esta minha paixão.

No entanto, a ascensão à primeira divisão foi muito rápida, proporcionalmente aquilo que sentia em campo. Por isso pensei, se o que faço me deixa feliz e consigo conciliar com a minha vida académica, vamos ver onde isto nos leva. Para ser sincero, nunca pensei que fosse tanto tempo, mas acho que valeu a pena.


Na categoria maior da arbitragem nacional e com o estatuto de internacional, enquanto árbitro assistente, qual ou quais foram os momentos vividos mais marcantes?

Por mais estádios em que tenha atuado, em Portugal ou no estrangeiro, o momento que mais me marcou foi ter integrado a equipa de arbitragem nomeada para arbitrar a final da Taça de Portugal, que se realizou no estádio do Jamor, o ano passado. É sem dúvida um jogo especial, num lugar mágico e com um ambiente fantástico.



A final da Taça de Portugal da edição 2018/2019 é um dos momentos de eleição na carreira de António Godinho


O que é que terá ficado por concretizar enquanto árbitro assistente?

Julgo que não ficou nada por realizar, sai feliz e realizado. Nem nos meus sonhos mais ambiciosos poderia imaginar a felicidade que iria sentir por ter feito o que fiz. Conheci lugares e pessoas, que noutras circunstâncias não seria possível.

Sinto-me um privilegiado, e aquilo que a arbitragem me deu, acho que devolvi em dedicação.

As contas estão certas. É a hora exata de sair.


 Uma carreira na arbitragem é um desafio, uma missão ou uma paixão?

Para mim, foram as três. Um desafio, porque com a evolução do futebol e da tecnologia, nos vimos confrontados com tarefas que começam a não estar ao alcance de ninguém, como é exemplo os foras de jogo de 4 centímetros, que a tecnologia VAR, consegue descortinar. Não conseguimos competir com isto, mas tentamos.

Uma missão, de representar ao mais alto nível a minha associação e toda a responsabilidade que isso acarreta. A nossa associação tem uma história muito rica, de árbitros que atingiram, não só a primeira categoria, mas que conseguiram atingir reconhecimento internacional, com as suas prestações. Fazer parte desta história deve ser para todos um objetivo e um orgulho.

E foi também uma paixão, por tudo aquilo que ainda significa para mim. Mesmo que já esteja fora, ainda sofro muito ao ver futebol, não por causa das equipas, mas devido aqueles “senhores do apito”, por saber as dificuldades e o esforço que é preciso para estar ali, em nome do futebol.  


António Godinho, na foto, à direita, foi árbitro assistente internacional entre 2012 e 2019


Vai continuar ligado à arbitragem?

Ainda não sei. Não tive até ao momento nenhuma proposta para desempenhar outras funções. Uma coisa é certa, naquilo que acharem que posso ser útil, dentro das minhas possibilidades, nunca direi que não à arbitragem.


Que argumento evidenciaria para cativar um jovem a visar uma carreira na arbitragem?

Aquilo que nos dias de hoje considero uma mais valia é a criação da carreira de árbitro profissional. Desta forma, os jovens podem dedicar-se 100 por cento a algo, pelo qual serão ressarcidos monetariamente, sem terem de se preocupar com empregos paralelos.

Antigamente, a arbitragem era um hobby muito sério, sem locais para treinar, sem acompanhamento médico ou técnico. Hoje, isso tudo mudou, é possível ser árbitro profissional, com condições para trabalhar. O caminho até lá é difícil, mas com trabalho e foco julgo ser possível.  




Fotos: António Godinho, FPF, NCAFB e D.R.